segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Busca da Felicidade

“Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...” (Fernando Pessoa)

Quando minha filha terminou o 1º grau era a única menina de uma turma de 13 alunos. Não sei se por ser a mãe da única menina, eu fui convidada para madrinha da turma. No meu discurso para meninos com idade entre 14 e 16 anos, mal saídos da infância e no início de uma época de grandes decisões, eu falei sobre a busca da felicidade. Disse a eles que todos nós vimos a este mundo para sermos felizes. A vida é uma grande corrida de obstáculos e no final o prêmio é a felicidade. Se você desistir ou fizer trapaça pode até ganhar um prêmio de consolação, mas não fica com o prêmio principal.
Disse a eles também que na busca pela felicidade três coisas são muito importantes:
1º À medida que se vai avançando na corrida e vencendo um a um os obstáculos, já se começa a ter a sensação de felicidade. Esta sensação não tem nada a ver com o carro do ano, ter casa na praia ou viajar para a Europa todo ano. É uma sensação interior, da alma. Então, que quando eles se tornassem um grande economista, ou o diretor de uma grande empresa ou então sócio de um escriório de advocacia, que ficassem sempre atentos à própria alma. Se sentissem que ela não estava feliz, que parassem tudo e voltassem à estaca zero. Não há problema em se recomeçar quando o prêmio é a felicidade!
2º - A felicidade é sempre mais completa quando todos à nossa volta também estão felizes; então, quando começassem a sentir a sensação de felicidade que já começassem a espalhá-la à sua volta, que ao final tudo estaria multiplicado por mil..
e 3º - Que na busca pela felicidade só não valia derrubar o outro para chegar na frente ou pisar no colega para chegar mais alto. Que assim o prêmio não era entregue. E que se fosse ficaria pela metade pois como disse há alguns dias somos todos um e o que se faz a um se faz a todo o universo.
Não sei o que foi feito daqueles meninos. Não sei se eles levaram meus conselhos a sério e estão buscando a felicidade. A menina da turma está indo muito bem, aprendendo a viver em harmonia consigo mesma e tentando se conhecer, o que,, aos 26 anos já é um bom começo. 

Valfabrica - 12º dia - 30 de maio

A magia é a arte de mudar a consciência à vontade. (Dion Fortun)

Ontem afinal fui convidada para a festa de 1ª comunhão que o pároco havia celebrado. Comi muita bruschetta con formàggio, muita pasta e bebi muito vinho. Don Marco ficou todo o tempo ao meu lado para que eu não me sentisse deslocada. Às 9:30 cumprimentei o comungante e seus pais e fui me deitar por que a etapa de hoje seria longuíssima. Acordei hoe bem cedo e quando saí ainda não eram 6 horas.

Ontem fiquei sabendo que nunca mais tornarei a ver a minha estrela. Mas ela continuará ainda a iluminar muitos outros céus, outros tantos caminhos e a guiar muitos outros peregrinos. Dizer adeus é sempre muito difícil, mas infelizmente também é quase sempre inevitável.  Queria agradecer à minha estrela por ter, durante tanto tempo, iluminado meu caminho e encantado a minha vida. Espero que nossos próximos caminhos separados sejam tão belos e ricos em aprendizagens quanto foi nosso caminho juntos.
E agora uma ótima notícia: depois de 37 dias (26 em Santiago e 11 aqui) me acostumei a dormir no saco!  Ou seja estou conformada com a vida de salsicha.

                                           Gubbio visto de longe
A caminhada foi extenuante com subidas e descidas (como sempre). Desta vez minha água quase acabou e eu tratei de economizar. Fiquei com sede e fome pois se comesse ia sentir mais sede. Minha salvação foi um cemitério com uma fonte de água potável. Matei tanto a fome quanto a sede e continuei. Mas a cidade nunca que chegava e o sol estava de rachar ( a cada dia que passa vai ficando mais quente.). Aí faltando 1 km para chegar fiz "batota": Passou um rapaz numa BMW vermelha e perguntou-me se eu não queria água fresca, e disse-me para passar na casa dele à beira do caminho. Eu até que não ia, mas quando estava passando ele e o pai dele me chamaram. Eu fui, enchi a garrafa, conversei um pouquinho e o rapaz me perguntou se eu queria que ele me levasse até o refúgio. Não resisti!!! Carona e ainda por cima numa BMW!!! Assim cheguei mais descansada e mais rápido. A Kris, minha filha, fica preocupada com estas caronas, mas eu atravessei várias montanhas isoladas, encontrei caçadores, lenhadores e guardas florestais e nada me aconteceu, não vai ser agora que algo vai me acontecer.Tentei tirar uma foto minha, mas hoje a pedra não cooperou e a foto não prestou!
Aos poucos começo a ver outros peregrinos. Aqui no refúgio está o senhor que encontrei em Città di Castello. E acabei de ver um casal austríaco que também estava em Pietralunga. Chegaram mortos, às 4 da tarde, praticamente se arrastando.
Já tomei  banho, lavei a roupa, tomei o meu vinho e um "panini" e estou descansando ( e escrevendo). Amanhã coloco mais fotos. Hoje está demorando demais para fazer o download.

domingo, 29 de maio de 2011

Gubbio - 11º dia - 29 de maio

Ninguém é suficientemente perfeito, que não possa aprender com o outro e, ninguém é totalmente destituído de valores que não possa ensinar algo ao seu irmão. (São Francisco de Assis)

Saí de Pietralunga hoje às 6:12 e fazia um pouco de frio. As pernas doendo e sem tomar café. Tudo fechado. Prefiro sair mais cedo para caminhar o maior tempo possível com o sol ainda baixo. Quando ele esquenta éum Deus nos acuda de tanto calor.

As pernas doeram ainda muito à noite e esta manhã tomei mais um comprimido de relaxante muscular. Decidi fazer um desvio, este intencional, que economizou-me uma hora e vários km. Eu conheço meu corpo: exijo muito dele porque sei que ele aguenta, mas também tenho muito respeito por ele e sei quando parar. Fiz o caminho tranquilamente, devagar e cheguei às 12:00 no centro da cidade.
                                                     Portão Romano

A Caminho de Gubbio
Estou hospedada no Oratório Paroquial Madonna del Prato. O pároco Don Marco estava numa missa solene (1ª comunhão) e só atendeu o telefone hora e meia depois. Enquanto esperava comprei uma cerveja, sentei numa das mesas do pátio da paróquia e almocei. Don Marco é bem jovem, talvez uns 28 a 30 anos, mas super simpático e o refúgio é bastante bom. A ducha parece que fica em outro prédio e como a família do comungante está preparando a festa aqui no pátio Don Marco ofereceu-me seu próprio banheiro para que eu não ficasse constrangida. Além disso convidou-me para a festa de hoje à noite.
                                                    TeatroRomano
Hoje é domingo, as ruas estão cheias e o comércio quase todo fechado. Tive dificuldades em comprar o lanche de amanhã e só consegui carboidratos. Mas tudo bem! À noite encho-me de proteínas.

O Medo que Paralisa

Cada um de nós é, em realidade, uma idéia ilimitada de liberdade. (Fernão Capelo Gaivota – Richard Bach)
Possivelmente a maior lição da vida a ser aprendida é a liberdade: liberdade em relação às circunstancias, ao ambiente, a outras personalidades e para muitos de nós, em relação a nós mesmos... – ( Edward Bach - Terapia Floral)


O episódio sobre o hospitaleiro que preferiu desligar seu celular ao constatar que não teria condições de cumprir o que prometera me inspirou esta reflexão: o medo que paralisa.
Obviamente ele ficou com medo da minha reação quando tivesse que me dizer que não haveria água quente naquela noite. E o que eu poderia fazer? Talvez gritar ou reclamar (esta não sou eu, mas ele não poderia saber), mas tudo não passaria disto. Teria sido muito mais honesto e correto devolver-me os 10 euros que paguei e encaminhar-me para o hotel. Ao invés de fazê-lo preferiu passar por desonesto por puro medo da reação de uma desconhecida.
Muitas pessoas agem assim: por medo de um julgamento ou de uma condenação se escondem e fingem que nada aconteceu. Desligam celulares, não retornam mensagens, não respondem e-mails, mudam até de caminho para evitar a pessoa com quem acham que agiram mal. E não são só estes os caminhos de fuga que uma pessoa toma para se esconder até de seus próprios sentimentos. Lembro de uma moça de uns 16 anos que veio ao meu consultório, muito deprimida por ter terminado com o namorado a quem amava muito. Sem entender perguntei-lhe por que havia terminado com ele se ainda havia amor. Ela me disse que tinha muito medo de perdê-lo e por isso tinha preferido se afastar dele. Agora vejam até onde pode chegar o efeito paralisante do medo:  ela havia aberto mão,voluntariamente, de (talvez) mais alguns meses de felicidade junto ao amado de tanto medo de perdê-lo.
A frase que escolhi para a reflexão de hoje fala exatamente disto: somos todos nós uma ideia ilimitada de liberdade. Não podemos nos cercear,  prender-nos, a nós mesmos, dentro das quatro paredes do medo tentando evitar a verdade, a opinião de outras pessoas, o constrangimento de se admitir errado, tentando enfim evitar o sofrimento, porque, nesta prisão, acabamos também por evitar, sem querer, o amor, a felicidade, o crescimento interior.
O medo paralisa! Com medo não se vai a lugar algum. Fica-se trancado em casa (dentro de si mesmo), lamentando a vida infeliz e desinteressante que se leva. Cada demônio interior é portador de uma preciosa benção que curará e libertará. Para receber esse dom, devemos deixar de lado nosso medo e enfrentar o risco de perdas e mudanças que cada encontro interior traz consigo. Só adquirimos consciência do eterno em nós quando confrontamos nossos medos e os obrigamos a retroceder.

sábado, 28 de maio de 2011

Pietralunga - 11º dia - 28 de maio


Quase todos nós percorremos um longo caminho. Fomos de um mundo para outro, que era praticamente igual ao primeiro, esquecendo logo de onde viéramos, não nos preocupando para onde íamos, vivendo o momento presente. (Fern~~ao Capelo Gaivota - Richard Bach)



Minhas pernas chegaram ao seu limite. Estão doendo demais! Já tomei 2 comprimidos de um relaxante muscular e elas continuam doendo. Espero conseguir dormir.


A novela da água quente de ontem terminou comigo pegando todas as minhas coisas às 8:30 da noite e me mudando para um hotel. O hotel estava lotado e acabei pegando o quarto que ninguém quis: bem defronte a um bar que ficou aberto té as 3 hs da manhã. Conclusão: dormi apenas 2 horas na noite passada. Nem posso me queixar pois não tinha feito reserva.
Com a história de ficar esperando a água quente, não lavei minha roupa, não comprei provisões para hoje e nem tive tempo para lavar o cabelo já que não ia secar.
E o hospitaleiro ainda sumiu porque sabia que não ia haver conserto ontem. Desligou o celular e nem quis saber.

                                                         Città di Castelo
Hoje estou estourada depois de apenas 2 horas de sono e de caminhar 31 km. Mas cheguei, lavei minha roupa toda, comprei comida para amanhã e já jantei. Agora espero capotar e só acordar amanhã.
Quando ia chegando na cidade, cansada e precisando de carinho e de colo, uma senhora de 86 anos sentada num banco me chamou para sentar-me com ela. Depois a filha me trouxe uma laranja que devorei, já que quase não comi nada o dia inteiro.
Depois umas meninas vieram e trouxeram uma pedra pintada em verde com o Tao e me deram de presente. Foi o melhor fim de etapa que já tive.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Città di Castelo - 10º dia - 27 de maio

As emoções são as cores da alma. São espetaculares e incríveis. Quando você não sente, o mundo fica opaco e sem cor. ( A Cabana - William P Young)

A etapa hoje foi longuissima, mas não muito cansativa. Quer dizer não teve muita subida, mas o sol estava de matar. Cheguei agora há pouco (16:30) cansada, com os músculos doendo, louca para tomar um banho e relaxar, mas...não tem água quente. Chamei o hospitaleiro que vai chamar o bombeiro hidráulico. Ou seja tão cedo não vou tomar banho e este é um dos poucos prazeres que se tem no caminho: a água quentinha descendo pelos músculos doloridos.

                                                    Casa em ruínas
Mais uma vez me perdi, Está virando rotina. O problema são as trilhas nas montanhas: a flecha verde é colocada no tronco de uma árvore ou em uma pedra no chão. Se a casca da árvore cair ou se um galho cair sobre a pedra já não se vê nada.

                                                            Mais ruínas

Mas enfim, cheguei numa casa e um senhor me disse como chegar à cidade mais próxima onde eu deveria estar: 6 km no asfalto sob sol escaldante. A minha sorte é que passou uma van com um italiano simpático e bonitão e pedi carona. Ganhei 3 km e ainda bati um bom papo. Depois de lanchar, encontrei a trilha certa e cheguei bem.

Agora é esperar a água chegar para me desalterar ( eta palavra bonita!)

Apesar de andar com a bandeira brasileira presa na mochila, quase todos pensam que sou alemã.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sansepolcro - 9º dia - 26 de maio

Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado...
Resignação para aceitar o que não pode ser mudado...
E sabedoria para distinguir uma coisa da outra. ( São Francisco de Assis)

Hoje tornei a me perder feio! E desta vez tive que me achar sozinha. Ontem durante todo o caminho vi o Tao amarelo nas árvores aí achei que o sinal tinha mudado (ele muda de acordo com as regiões atravessadas). Hoje pela manhã ao sair, vi o Tao e nem procurei pela flecha verde. Já comecei a andar. Tinha que ir para o leste e fui para o oeste.  A sorte é que ambos os caminhos levam a Assis. Não sei se o caminho que fiz era mais longo, mas credito que não. O problema foi caminhar no asfalto quente do sol de meio dia por 14 km.

E ainda teve outro lance inusitado: entrei numa fábrica de gesso para pedir informações, não encontrei ninguém e como estava fresquinho fiquei descansando um pouco. Quando resolvi ir embora descobri que era a hora de fechar e tinham trancado todos os portões. Um vizinho me viu e disse que eu só tinha que esperar até as tres. Não tive dúvida: passei a mochila por cima do portão e depois pulei para o outro lado. Sorte que eu tenho pernas compridas senão não tinha dado. E assim de aventura em aventura vou seguindo meu caminho. Agora só faltam 4 dias para chegar em Assis.
Já estou toda bronzeada e já emagreci um ou dois kg. Não vi nenhum animal selvagem hoje. Acho que a partir de agora verei cada vez menos por que já não subirei em montanhas tão altas como antes. Mas vamos ver!

O Caminho de São Francisco

Não estamos todos aprendendo a mesma lição ao mesmo tempo. Um está dominando o orgulho; outro o ódio e assim por diante, mas o fator essencial é que aprendamos a lição que nos foi destinada. (Edward Bach – Terapia Floral)

Já que o Giordano resolveu colocar o link no seu site e acreditando que alguém interessado em fazer o caminho vá lê-lo, minha reflexão de hoje será sobre as dificuldades do CSF.
No ano passado fiz o caminho de Santiago, um debut em matéria de peregrinações. Uma experiência incrível. Lá, com a legião de peregrinos percorrendo o caminho, as lições foram outras: a mais importante, a paciência traduzida em aceitação das diferenças. Com peregrinos de várias culturas, etnias diversas, backgrounds familiares, sociais e financeiros de vários padrões, forçoso era aprender a conviver com as diferenças e se a paciência não fosse exercitada ao máximo. crises e litígios seriam muito mais freqüentes do que são.
Os albergues estavam sempre cheios, as duchas sempre molhadas e não raro, se você chegasse tarde, não se achava água quente.
Em compensação o clima era de festa. Sempre havia um grupo animado, rindo e brincando e a gente acabava entrando na brincadeira. Fiz números amigos lá com os quais ainda me correspondo.
O CSF é totalmente diferente. Eu estou caminhando sozinha e já muitas vezes passei o dia todo sem ver ou falar com ninguém. Mesmo quando chego aos refúgios, nem sempre tenho com quem falar, já que os hospitaleiros moram longe e só aparecem quando sabem que um peregrino está chegando. E aí vai a minha primeira recomendação: Tragam ou comprem aqui um celular desbloqueado e comprem um chip da TIM. Pelo que eu soube é a única empresa de telefonia celular que consegue enviar sinal a toda a Itália. Nas montanhas não pega sinal nenhum, mas se houver um caso de emergência consegue-se ligação com os serviços de socorro. Então no quesito lições sobre paciência e partilha Santiago dá de dez a zero.
As trilhas são bem sinalizadas, mas o caminho é quase todo feito nas florestas, então tem que ficar bem atento por que os sinais são em pedras do chão e troncos de árvores. Ás vezes a gente fica um pouco perdido. Além disso não tem guia em português. Então aí vai o segundo conselho: levem um relógio e anotem sempre a hora da partida. Quase todo o trajeto é orientado com relação ao tempo percorrido. Então é sempre bom ficar de olho. Se no guia fala que depois de 40 min você deve pegar outra trilha tem que ficar muito atento, porque o que não falta é trilha na floresta.
Agora no quesito conforto o CSF ganha de longe. Ontem o refúgio tinha 5 suítes, todas com cama de casal. O de hoje tem WiFi livre. Como em geral só chega um peregrino por vez, (ou mais se estiverem viajando juntos), o refúgio é quase particular. O maior problema é onde lavar e secar a roupa. Geralmente ela é lavada na pia do banheiro e pra secar tem que ter imaginação. Eu, como sou uma mulher prevenida, sempre trago um corda comigo. Em Santiago não a usei, mas aqui uso constantemente.
Quase não se encontram vilas entre um refúgio e outro, então outro item essencial é a “lancheira”. Tem sempre que ter comida na mochila por que o gasto de energia é muito grande e não dá para entrar num bar e fazer um lanchinho de vez em quando, como em Santiago. Comida e água! Eu ando sempre com um litro e uso tudo. Não existem fontes de água potável nas florestas!
Por agora é só. Mais para o final deixarei mais algumas dicas para aqueles que estiverem pensando em mergulhar nesta aventura.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Caprese Michelangelo - 8º dia - 25 de maio

Para conservar el equilibrio, debemos mantener unido lo interior y lo exterior, lo visible y lo invisible, lo co­nocido y lo desconocido, lo temporal y lo eterno, lo anti­guo y lo nuevo. Nadie puede afrontar esta misión por noso­tros. ( anam Cara – O livro da sabedoria celta – John O’Donohue)
A caminhada hoje foi simples.Tirando o início, com uma subida de dar medo em macaco (subi até 1250 metros de altitude), o resto foi moleza.Saí às 6:43 e cheguei no refúgio às 12:08.

                                                           Chiusi La Verna vista do alto
A hospitaleira não estava e para sorte minha o celular estava funcionando.Digo para sorte minha por que ela pretendia só chegar aqui às 18 hs. Disse que estava no trabalho. Mas ela veio, abriu o refúgio para mim, deixou as recomendações, cobrou, carimbou a credencial e foi embora.
                                                              Alla Cruce de Vargo

O refúgio tem 5 quartos, todos  com cama de casal e banheiro privativo. Apenas um deles, além da cama de casal tem um beliche. Enquanto fazia um reconhecimento da casa descobri uma despensa com vários lençois, fronhas e edredons limpinhos. Como ela não fez nenhuma recomendação a respeito dos lençois e como acho que peregrinos são todos iguais, peguei dois lençois, uma fronha e um edredon e esta noite não vou dormir no saco. OBA!!! Eu me sinto uma salsicha dormindo no saco. Para onde você se vira o saco vira junto. É muito chato!

                                                      Rifúgio de Caprese Michelangelo   
O Giordano colocou o link do meu blog no site do caminho de São Francisco (http://www.camminodiassisi.it/BR/index.html) . Acho uma boa. Quando vim para cá, não tive todas as informações que precisava, apesar da representante do caminho no Brasil ter sido super gentil. O problema é que até para se perguntar é necessário ter algum conhecimento sobre o assunto. O que não perguntei ficou, obviamente, sem resposta. Agora, colocando todas as dificuldades que estou tendo aqui, quem vier estará mais bem informado.
Hoje pela manhã, no café, a freira mais velha finalmente puxou conversa (ontem no almoço e no jantar fiquei sentada sozinha na mesa enquanto elas ficavam na cozinha conversando.). Eu a convidei a sentar e ela me perguntou se eu não havia achado ninguém para fazer o caminho comigo. Disse que não e ela para me "ajudar" começou a me falar de todos os perigos que eu poderia correr viajando sozinha (Kris, por favor, pule esta parte!):Cair, quebrar uma perna, um galho de árvore cair na minha cabeça e eu ficar desacordada até a noite, ser atacada pelos porcos selvagens e por aí a fora. Eu escutei até o fim e depois disse que não tinha medo. Que eu estava protegida por Deus e por São Francisco de Assis. Ela ficou tão emocionada que me abraçou, pegou-me pelo braço e até me beijou no rosto. Acabamos ficando amigas.
Hoje passei pela Ermida de Casela, onde São Francisco saudou o Monte Alverna pela última vez sabendo que não mais voltaria a vê-lo.
                                                                  Ermida de Casella

Agora estou em Caprese Michelangelo onde nasceu o grande artista durante o ano que seu pai passou ocupando o cargo de "podestà" (não sei o que significa)m mas era alta autoridade pois vivia num castelo. A família toda era Florentina e o nascimento dele aqui foi uma casualidade.

SOBRE DAR E RECEBER

A ve­ces es fácil ser generoso hacia fuera, dar, mientras se es taca­ño con uno mismo. Si eres generoso para dar, pero tacaño para recibir, pierdes el equilibrio de tu alma. Debes ser generoso con tu propio yo para recibir el amor que te ro­dea. (Anan Cara  O livro da sabedoria Celta – John O’Donohue)


O mesmo amigo que me perguntou sobre as estrelas na Itália me desejou uma ótima viagem onde eu pudesse receber e dar. E eu achei que este é um ótimo tema para uma reflexão.
Uma grande parte da humanidade está sempre muito preocupada em receber. Outra parte está sempre muito preocupada em dar. Como sempre, o caminho do meio, como dizia Gautama Buda, é, não só o melhor, como o único capaz de nos trazer a felicidade.
Este meu amigo é um iluminado. Ele sabe tanto da importância de dar quanto de receber.
Dificuldades, desarmonias e obstáculos significam que, ou nós estamos nos recusando a dar aquilo que temos em abundancia ou nos recusando a receber aquilo de que estamos precisando.
Só crescemos quando abandonamos o velho pelo novo, o que temos em abundancia pelo que nos falta. Não podemos receber o que nos falta se nos aferramos ao que temos, e, depois de termos dado algo, se não recebermos o que o nosso próximo tem a nos oferecer fica um vazio. Dar e receber são duas faces de uma mesma moeda, moeda esta que nos leva sempre mais longe no caminho do crescimento espiritual.
Cada um de nós é uma entidade completa e esta completude torna possível recebermos apenas quando damos e darmos apenas quando recebemos.
O que nos leva à compreensão de que todos somos um. Estamos eternamente ligados uns aos outros, seres humanos, animais, natureza, universo. No momento em que pararmos de acreditar no mito da separatividade seremos todos muito mais felizes!

CHIUSI LA VERNA – 7º dia – 24 de maio

Temos que nos lembrar que tudo no universo está vivo, cheio de energia espiritual. Precisamos pedir, conscientemente. para sermos conectados com o divino dentro de nós. (O Segredo de Shambhala - James Redfield)

Saí de Biforco hoje às 6:30 rumo a La Verna, lugar onde São Francisco adquiriu os estigmas (qualquer dúvida é só pesquisar na Internet). Tive que retornar a Rimbocchi para pegar a trilha certa. Logo que iniciei a trilha tive mais uma experiência inusitada: atravessar um riacho! Tirei minhas sandálias, as meias, coloquei minhas meias impermeáveis (leia-se mágicas) e atravessei o riacho com água pela canela. Quando cheguei ao outro lado e tirei as meias os pés estavam sequinhos! E dizer que resisti muito antes de comprá-las por causa da minha “mão de vaca”!  O poncho continua virgem de chuva, pelo menos de chuva européia, mas já serviu como pano de mesa muitas vezes.
Pouco depois de sair de La Verna passei por uma floresta de musgo. Todos os caules, raízes, rochas e troncos caídos estavam cobertos de musgo.
                                                                 Floresta de Musgo

Agora estou em Chiusi La Verna, uma cidadezinha próxima, hospedada numa casa de freiras. Como eu sou peregrina vou pagar um preço “caridoso”: 25 euros (em Camaldoli sem freiras, padres ou caridade de espécie alguma paguei 17 euros com cama, almoço, jantar com Prosseco e café da manhã.). Aqui, com pena de mim, que cheguei morta de cansaço depois de ter subido uma  montanha “braba”, e para que eu não tivesse que sair de novo para almoçar, “ofereceram-me” o almoço (sem vinho)por mais 10 euros (o mesmo que paguei na pizzaria em Corniolo).  Fico imaginando São Francisco tendo que viver da caridade aqui na Itália nos dias de hoje.
                                                             Basílica de La Verna

                                                      Manto de San Francesco di Assisi

Continuo sem Internet ou celular (os dois são da mesma empresa de telefonia); não consigo nem enviar um SMS para Milão, mas já recebi uma mensagem deles me avisando que agora só tenho um euro de crédito. Não sei como eles fazem para enviar a droga da mensagem se não há sinal. Acham que enviam pela TIM que pega em todo lugar. Na próxima vez compro o chip da Tim. E o pior é que nestas cidadezinhas perdidas do mundo não há Lan House, Wifi, nem nada parecido.  Na primeira grande cidade onde passar vou ver se compro um chip da TIM que parece ser a única que tem sinal em toda parte.
Sendo assim, vocês ainda ficam sem notícias minhas por mais um tempo. Só tenho medo que depois fiquem com preguiça de ler quando eu postar tudo o que já escrevi até agora.

A Peregrina

Ser melhor do que os outros não vale; O que vale é cada um ser hoje melhor do que ontem, amanhã melhor do que hoje, numa eterna e abençoada busca pela perfeição. (Fernão Capelo Gaivota – Richard Bach)



Quando eu era criança, meus irmãos me chamavam de “a estranha”. E eu devia ser mesmo um pouco estranha: devorava livros e livros de todos os matizes e assuntos. Uma vez meu pai me esperou na saída da escola e como eu não aparecesse perguntou às freiras sobre meu paradeiro. Ninguém sabia onde eu estava. Reviraram todo o colégio à minha procura e nada, até que a freira bibliotecária disse que eu talvez estivesse na biblioteca apesar dela já estar fechada há um bom tempo. Dito e feito: ao abrirem a porta da biblioteca lá estava eu imersa em “Guerra e Paz” e nem me havia dado conta do tempo e nem de ter sido trancada.
 Aprendi a me guiar pelas estrelas, a fazer um relógio de sol, aprendi o código Morse (meu pai construiu uma espécie de telégrafo e nós brincávamos de passar mensagens), aprendi a língua dos surdos mudos (desta vez foi minha mãe quem teve a idéia), mais tarde eu mesma criei um código secreto e o ensinei à minha irmã para que pudéssemos nos comunicar sem que outros entendessem... Estava sempre inventando alguma novidade como aprender a escrever com a mão esquerda porque vai que eu quebrasse meu braço direito... (o que nunca aconteceu, no entanto dominei a escrita com a mão esquerda e hoje escrevo melhor com ela do que com a direita). Desmontava e remontava os aparelhos elétricos da minha mãe para ver como funcionavam e estava sempre sozinha.
Mantinha sobre mim mesma uma disciplina férrea digna de um soldado espartano, obrigando-me a fazer as coisas desagradáveis (como os deveres de matemática) antes  de usufruir de qualquer prazer, ou desligando a TV pouco antes da solução do mistério para aprender a dominar a minha vontade. Forcei-me a aprender a caminhar sem fazer ruído e a passar com pouco apesar do muito que a vida sempre me deu.
Apesar de não saber por que fazia estas coisas, continuava fazendo. Dizia a mim mesma que só seria realmente livre quando tivesse total domínio sobre meu corpo, meus pensamentos e minhas emoções.
Ainda hoje faço coisas “diferentes” de que só poucas pessoas sabem, como, por exemplo, minha filha (minha melhor amiga) e um amigo muito querido que não estranha nada do que faço ou penso e me aceita inteiramente como sou (talvez ele também seja um pouco “estranho”). Para os outros eu não conto porque não me interessa chocar ninguém, e as pessoas se chocam quando se vêem diante de coisas que não compreendem.
Hoje acho que, desde aquela época, eu, sem saber, já me preparava para ser uma peregrina: uma peregrina nos Caminhos de Santiago, uma peregrina nos Caminhos de Assis, uma peregrina nos caminhos da vida. Vou em busca do desconhecido de peito aberto e sem medo, por que acho que o pior medo é o medo de si mesmo e este eu aprendi a dominar há muito tempo.

A Castanheira



O mais importante na vida é olhar em frente e alcançar a perfeição naquilo que mais gostamos de fazer.


A castanheira da foto tem entre 400 e 500 anos. Seu tronco é fendido (aberto), e tem estado assim pelo menos nos últimos 100 anos. Uma foto de 1925 mostra a dona da fazenda e outra mulher sentadas em cadeiras no interior da fenda, para escapar do calor.
Agora a árvore quadricentenária está cercada e sendo acompanhada de perto por agrônomos que cuidam de sua saúde. Segundo eles ela está enfraquecida, mas mesmo assim todo ano, na primavera, se enche de brotos e folhas que dão guarida aos muitos ninhos de pássaros que vêm ali se abrigar para terem seus filhotes.
Esta castanheira certamente alcançou a perfeição naquilo que foi criada para fazer. Durante 400 anos (ou talvez 500), resistiu aos ataques de fungos, aos incêndios florestais, à poluição causada pelo crescimento industrial e continuou a dar seus frutos, a oferecer sombra aos viandantes cansados e a oferecer abrigo aos pássaros que vêm ali para repousar de suas andanças pelos céus, criar seus filhotes ou simplesmente passar a noite. 
E pelo jeito, mesmo velha e alquebrada, pretende continuar a fazê-lo por muito tempo já que ainda não desistiu de viver.

BIFORCO – 6º DIA – 24,5 Km

Precisamos muito voltar a crer que dentro de nós repousa toda verdade; precisamos lembrar que não necessitamos de conselhos ou ensinamentos, exceto aqueles que vêm de dentro de nós. (Edward Bach – Terapia Floral)

Saí de Camaldoli, hoje, às 7 horas da manhã. Como sempre logo peguei mata fechada com muita subida e pela primeira vez encontrei duas peregrinas italianas que irão até La Verna (amanhã). Elas se assustaram comigo (principalmente porque já era o fim da etapa, eu estava exausta e, como sempre faço nestes momentos de extremo cansaço, estava cantando) e eu com elas.
                                                          Saída do Refúgio de Camaldoli

                                                                          Cruz no Caminho

Pela manhã, antes de encontrar as peregrinas, levei outro susto, este maior: ao me aproximar de uma moita vi dois porcos selvagens. O primeiro ao notar minha presença bateu logo em retirada, mas o segundo me encarou um pouco e depois partiu em minha direção. Eu fiquei parada só vendo qual era a intenção dele e imaginando que se ele se aproximasse demais eu gritaria para afugentá-lo, mas ele pensou melhor e mudou de direção desaparecendo. De qualquer maneira empunhei minha máquina fotográfica e se ele resolvesse voltar eu disparava o flash. Mas não mais os vi. Dizem que eles são muito comuns nesta floresta, mas que não atacam.
Durante esta caminhada estou sendo instrumento de São Francisco de Assis. A Kristianna sabe que eu estou sempre salvando animais em perigo. Lagartos, passarinhos, borboletas etc... sempre que ela ou Antonia encontram alguém ferido ou preso me chamam para eu o salvar. Ontem encontrei um caracol gigante andando no asfalto e logo vi que ele seria atropelado. Peguei e coloquei-o no mato. Hoje, já bem próximo de chegar ao refúgio, entrei numa trilha que cortaria caminho, mas não sei se por cansaço ou se pela mão do destino não a encontrei, saí da trilha e acabei dando num descampado. De repente vi uma armadilha para pássaros e dentro um pássaro grande tentando sair e sem encontrar como. Olhei em volta e como não visse ninguém abri o alçapão e continuei. Quando vi que estava no caminho errado, virei-me bem a tempo de ver o pássaro voando para a liberdade. Tornei a fechar o alçapão e logo em seguida achei a trilha que deveria ter seguido logo de início.
Agora estou na cozinha do refúgio, comendo uma “pasta” que eu mesma preparei com “penne”, atum e mussarela fresca. Continuo sem Internet. Já me disseram que a partir de amanhã as cidades já estarão mais baixas e conseguirei de volta o sinal. Por causa disso vou andar apenas 10 km e ver se consigo colocar o blog em dia.
Kris, espero que você tenha tido notícias minhas ontem. Meu telefone também não tem sinal e está difícil me comunicar.

Camaldoli - 5º dia – 22 de maio

Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível.  (São Francisco de Assis)


Novidades: Hoje não me perdi!!!
Mais um dia sem Internet. Kris,  espero que tenham te mandado um e-mail para dizer que estou bem.
Ontem jantei, num restaurante de comida caseira, uma pizza absolutamente enorme acompanhada de vinho e pão, e ainda por cima comi uma sobremesa deliciosa. Tudo custou 10 euros, quase o mesmo preço de Santiago.  Antes de sair para jantar tinha passado numa padaria (forno em italiano) e comprei leite, iogurte e um croissant para o café da manhã.  Hoje, depois do café, fiz uma pequena limpeza e fui embora. Acabei esquecendo de tirar uma foto do albergue.
A caminhada de hoje foi ótima! Super cansativa, Mas ótima! Cheguei ao ponto mais alto do caminho: 1520 mts. Ufa!!! Tirei algumas fotos que mandarei depois. Amanhã também não devo achar internet, só na terça feira (talvez). Mas não se preocupem que continuo a escrever e vocês saberão (com algum atraso) tudo o que se passou.
                                                      Oratório à Madonna del Fuoco
                                                      O Ponto mais Alto do Caminho

A noite de sono não está mais sendo suficiente para descansar o corpo, sem falar que ainda não me acostumei com o fuso horário. Com todo o cansaço de ter acordado às 5:30 e de ter caminhado 20 km, não sinto sono e sou obrigada a tomar o Pasalik. Durmo e acordo 4 horas depois. Volto a dormir e a acordar e fico assim toda a noite. Às 5:30 o efeito do Pasalik passa e não consigo voltar a dormir. Aí o jeito é levantar. Ao pôr os pés no chão sinto a batata da perna e a canela doerem demais. E olhem que tenho tomado Tandrilax para relaxar a musculatura! Lembro que em Santiago a partir do 10º dia (quando comecei a me acostumar com o fuso horário) não conseguia dormir de tanta dor na perna. Espero que não volte a acontecer!
Hoje estou num refúgio florestal em Camaldoli e o hospitaleiro, que por sinal é o homem que idealizou o Caminho de Assis, já me convidou a voltar no ano que vem, como hospitaleira, por 15 dias.
                                                              Ermida de Camaldoli
                                                              Igreja de San Agostinho
Amanhã devo passar em uma cidade maior. Vou ver se consigo entrar num bar e me conectar à internet, ao menos para enviar alguma coisa. Fotos nem pensar porque demora muito!

AS MONTANHAS QUE ATRAVESSEI

A sua capacidade de perceber a beleza é a primeira indicação de que a energia divina está entrando em você. Você vai se sentir mais leve. E saberá com mais clareza quem você é e o que está fazendo.  (Fernão Capelo Gaivota – Richard Bach)

A etapa de hoje foi excepcionalmente bela. Toda manhã ao sair eu caminho algumas centenas de metros e logo entro na floresta, começando a subir a montanha. A região que atravessei hoje estava cheia de minas d’água. Assim, além da costumeira sinfonia dos passarinhos, juntou-se o som de várias pequenas cascatas; por volta das oito e meia (saí às 6 e meia), ao canto dos passarinhos costumeiros, juntou-se o do cuco. O sol começava a se filtrar por entre as árvores, mas só uns poucos raios as atravessavam, causando um efeito de pintura. Era uma verdadeira festa para os ouvidos, os olhos e as narinas com o perfume das madressilvas em flor e dos pinheiros ao redor. Som puríssimo, ar puríssimo e verde puríssimo.
Por volta das nove e meia, entrei num bosque tão cheio de árvores que o sol não conseguia penetrar. A maioria era pinheiro, mas havia também tílias e outras que não conheço. Tenho um amigo, aquele das estrelas, que adora abraçar árvores. Aqui ele estaria no céu! Milhares de árvores, algumas de caules rugosos, outras com caules lisos e outras com caules perfumados. Uma festa! E eu ali: ouvindo o silêncio, vendo a escuridão e sentindo o perfume de tantas outras árvores que aqui estiveram em outros tempos, deixando no ar um pouco de suas essencias. Agora vocês sabem por que eu disse que as fotos não mostram tudo!
 Meu amigo, amante das árvores, tirei esta foto especialmente para você. C’est mon cadeau du jour.

                                                              Bosque Escuro

Corniolo- 4º dia -21 de maio

Apenas um raio de sol é suficiente para afastar várias sombras.

Mais um dia sem internet. Este vila é bem pequeninha, mas nem é muito alta. O sinal devia chegar aqui.
O albergue de ontem foi uma porcaria. Cobrou 22 euros com jantar e café da manhã. O jantar tinha 2 pratos: o primeiro, macarrão à bolonhesa e o segundo, uns pedaços de frango e 2 tomates assados, acompanhados de pão e água. Pedi um copo de vinho e o rapaz cobrou um real. Perguntei se não fazia parte do cardápio e ele disse que não estava no acordo. E ainda queria que eu limpasse e arrumasse o refúgio. Como não estava no acordo, só fiz lavar a louça que sujei e colocar os restos no lixo. O resto é com ele.
O dia hoje foi bem cansativo, mas por culpa minha! A caminhada estava tão boa que acho que fiquei meio zen e não prestei atenção às indicações. Errei o caminho novamente e andei 1h e 30m até que encontrei um casal (os primeiros humanos do dia) que me avisaram que por ali eu iria parar em outra cidade. Voltei tudo de novo: mais uma hora e meia, até encontrar o caminho certo. Ao invés de chegar aqui às 12h30min, cheguei às 15:30. Não perguntei o que estava fazendo aqui, como fiz lá em Santiago, mas tive vontade, por duas vezes, de abandonar a mochila para trás.


Tirei várias fotos que postarei assim que puder. Não todas, mas algumas. Gostaria de partilhar com vocês toda a beleza deste lugar, mas fotografias não dizem tudo. Acaba sendo o retrato de uma natureza morta. E a floresta é tão viva quanto nós.



Agora estou num albergue muito gracinha, que no passado foi um estábulo, mas que foi todo reformado e mobiliado com muito esmero para receber os peregrinos. Custa só 7 euros. Não  tem comida, mas tem uma cozinha toda equipada, com panelas, talheres e pratos. Vê-se que o refúgio foi preparado com amor. Aqui eles também pedem que se deixe tudo limpo e eu o farei com gosto. Para jantar, já que não comprei nada para cozinhar, tem um restaurante convencionado onde a janta custa 10 euros, quase como e, Santiago. Os habitantes são simpáticos, puxam conversa e fazem o que podem para ajudar.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O cão Téo

O cão Téo e a carta ao homem que o matou
Escolheremos o nosso próximo mundo através daquilo que aprendermos neste. Não aprender nada significa que o próximo mundo será igual a este, com as mesmas limitações e pesos de chumbo a vencer.

Encontrei esta carta em uma árvore, a caminho de San Valentino. Obviamente não foi o cão quem a escreveu, pois a esta altura já estava morto. Era um belíssimo cão! A carta, escrita em italiano, é no entanto perfeitamente compreensível para nós brasileiros e exprime o choque de seus donos ao vê-lo assassinado. Perguntei a senhora Nella o que havia acontecido. Ela disse que era um cão caseiro que vivia preso no terreno cercado da casa de seus donos, e que ninguém sabe porque ele foi morto. Muito possivelmente por estar cumprindo os altos fins para os quais foi criado: defender sua casa, seus donos e seu território.
Esta carta também me deixou chocada! No caminho de São Francisco ver uma prova tão cabal do ódio irracional de um ser humano que se diz civilizado, Matar um cãoindefeso porque preso,  provavelmente porque estava latindo. E aí me vem à lembrança as criancinhas recém nascidas abandonadas para morrer em lixões e esgotos por mães e pais (sim porque os pais já as abandonaram antes mesmo delas nascerem e também são responsáveis) que as consideram um estorvo para a própria felicidade.
A frase que estou enviando a vocês hoje é um alerta. Antes de ganharmos a vida eterna é preciso aprendermos a sermos mais humanos, e a nos conectarmos com o divino, Tudo o que plantamos aqui, colheremos depois. Então estejamos alertas: é o nosso futuro que está em jogo.

Premilcuore - 3º dia - 20 de maio


Nunca deixem de aprender, de treinar, e de lutar para compreenderem cada vez melhor o perfeito e invisível princípio de toda a vida. (Fernão Capelo Gaivota - Richard Bach)

Ontem jantei com os hospitaleiros, Cesare e Nella. Super simpáticos. Verdadeiro espírito de hospitalidade. Conversamos, tomamos vinho, rimos e me pediram para tratá-los por tu o que aqui na Itália é sinal de amizade.

Hospitaleiros em S. Valentino

Saída de S. Valentino

Saí às sete e fiquei uma hora perdida e dando voltas até que fui resgatada por dois simpáticos italianos que passavam de camionete e que me deram uma carona até o lugar onde eu deveria estar. Com isso perdi uma hora de caminhada. Caminhei bem até Portico onde cheguei às 11 hs.

Burgo Medieval em Portico

Ponte della Maestà

A partir de Portico começou uma subida de 400 mts de altitude de uma tacada só, e aí, Bráulio, o problema não foi caminhar, mas respirar. O coração parece que vai saltar pela boca. Nada de "altitos" na caminhada de hoje. Acabei chegando aqui em Premilcuore às 15:00 e aí todas as lojas estavam fechadas. Acabei almoçando um pedaço de pão duro de ontem e o resto do queijo de cabra. Vida de peregrino não é fácil.

As montanhas que atravessei.
 Bosque
Ruínas